A receita para o sucesso do LOCO, de Alexandre Silva


Sem ainda ter feito um ano desde a abertura, o restaurante LOCO do chef Alexandre Silva já se afirmou como um dos grandes espaços de restauração da actualidade. Parte desse sucesso é devido à forma como este chef português encarar a experiência gastronómica que ali promove, fazendo deste um projecto único e inovador dentro da alta cozinha portuguesa. 

Apresenta-se ao comensal com dois longos menus, de 14 e 18 momentos, com vários desses andamentos a sucederem-se a grande velocidade, sendo eventualmente esse o primeiro choque para alguns. Apesar da velocidade impressa à refeição, o jantar decorre com a harmonia necessária, depois de nos entregarmos nas mãos de quem está aos comandos - duas equipas (sala e cozinha) que dançam a par sem nunca sair do tempo, em perfeita sintonia. 

Tentando evitar spoilers, fica aqui o resumo, com alguns dos destaques do menu de degustação mais extenso. Um menu, do principio ao fim, com elevada nota criativa.
 
Para começar, a reinterpretação do típico bolinho de bacalhau e, logo de seguida, do tradicional pão com chouriço. Este último chegou à mesa ligeiramente quente, com uma textura bem fofa. Estavam ambos irrepreensíveis. Pessoalmente, agradam-me reinterpretações de clássicos conhecidos. São estas as propostas que melhor jogam com as referências do comensal e que mais surpreendem, pois apresentam os sabores de sempre mas em diferentes formas, texturas e temperaturas.


De seguida, a caldeirada, para ser comida e bebida. Parte da experiência do LOCO é promovida através do empratamento e da forma como se convida o comensal a embarcar na degustação dos vários momentos. Boa nota para a originalidade na apresentação e para a suavidade dos sabores.


Outro dos momentos já de reconhecida fama do LOCO é o molho de bife e o pão que o acompanha. Se o tipo de pão varia regularmente, já o mesmo não acontece com o molho. Doce, mas com um toque de acidez e amargura, é um daqueles momentos que obriga a deixar as "boas maneiras" em casa e a pegar no pão com os dedos, rapando tudo muito bem, sem deixar nada ficar. 

Ainda neste momento, destaque para a pasta de tomate e alho que é servida a quem não consome carne. Estava simplesmente de outro mundo... é um daqueles casos em que quem abdica da carne não sai minimamente prejudicado! 


De seguida, uma soberba demi glace de cebola a embelezar o carapau. Foi um dos momentos da noite. 

Outro dos pratos que mais furor faz no LOCO, segundo explicaram, é este grão com chouriço. Apela à memória e às referencias do comensal e, talvez por isso - pois não guardo grandes recordações deste prato tradicional - não me emocionou particularmente.


Destaque ainda para algo raro - um limpa palato que se apresentou como personagem principal. Uma canja de cabeça de robalo, coco e aromáticos - os mesmos utilizados no prato que o antecedeu, um robalo envolto em folha de bananeira com pasta de malagueta. Um dos momentos geralmente menos considerados foi uma das surpresas do menu de degustação, pois estava bem gulosa esta canja. 


Um dos momentos mais prazerosos da parte salgada do menu foi este ravioli de rabo de boi, que estava delicioso, mas também a espuma de alho negro que surpreendeu pela doçura apresentada. Um prato divinal. 

Já no campo dos doces, nota máxima para a apresentação deste algodão doce Dr. Bayard. A foto, não sendo de qualidade, retrata o aspecto cenográfico que no LOCO contribui significativamente para a experiência gastronómica. Isso mesmo é observável na Oliveira plantada à entrada, na finalização de alguns dos pratos já na mesa e também nesta pré-sobremesa, que é ainda um exemplo da criatividade implementada ao longo de todo o menu. O que diria Carême deste doce momento, sendo que ele próprio utilizava como ninguém o açúcar e lado cenográfico para fomentar os prazeres da mesa? Maravilhas, certamente. 


Foi já próximo do final da degustação que chegou o prato mais interessante da noite, a sobremesa de caril verde e aipo, uma sobremesa profundamente disruptiva. Certamente nada consensual, por cá só consegui soltar uns valentes impropérios, de tão satisfeito que fiquei por observar tamanha ousadia. Perfeita na conjugação entre doce e salgado, apresentava ainda um ligeiro toque picante. A foto não faz jus à genialidade que o chef pasteleiro Carlos Fernandes imprimiu nesta proposta, mas é a foto possível. Certamente um momento que perdurará na memória.


Por fim, seria impossível terminar esta crónica sem falar num dos alicerces que contribui para o sucesso do LOCO - a competência e honestidade da equipa de sala, comandada por Sérgio Antunes. De uma atenção e paciência extrema para com o cliente, sempre de postura humilde e nada sobranceira, demonstraram por diversas vezes ter a capacidade de antecipar e antever as necessidades do comensal. 

Outra característica demonstrada por Sérgio Antunes, que para além de chefe de sala é também escanção, foi a capacidade de saber ler o cliente, uma característica cada vez mais rara nos serviços de sala, em que muitas vezes o escanção mais se assemelha a um comercial preocupado em vender o vinho mais caro, em detrimento de satisfazer as necessidades (e possibilidades) de quem apela ao seu conhecimento. Por tudo o que vivenciei neste jantar é-me fácil afirmar que no LOCO trabalha uma das mais competentes e profissionais equipas de sala que encontrei nos últimos anos, em Portugal e além fronteiras. Alexandre Silva não podia estar melhor rodeado, e aqui está uma boa parte da receita do sucesso que o LOCO já adquiriu.

Assim, e por tudo isto, o LOCO passou directamente para o topo dos restaurantes que apresentam a melhor relação preço-qualidade/prazer. É, por isso, uma visita obrigatória. Por cá já se anseia pela próxima visita.



--------
LOCO
R. Navegantes 53, 1200-830 Lisboa
Tlf. 21 396 1851

2 comentários:

  1. Concordo totalmente contigo João. E se conseguirem levar a cabo com sucesso o objetivo de terem atenção ao menu quando um cliente regressa, para não servirem um prato repetido, Alexandre Silva comseguirá com o seu LOCO alcançar um patamar ainda mais elevado.

    Foi um dos restaurantes mais interessantes que visitei nos últimos tempos e, tal como tu, já anseio pelo regresso. Um abraço.

    ResponderEliminar
  2. Pelo que sei têm essa questão em consideração, no que diz respeito à repetição dos pratos! O que é fundamental para cativar o cliente a voltar com regularidade. Pelo que sei de quem já lá voltou diversas vezes, esse não é um problema. :)

    Um abraço Filipe.

    ResponderEliminar